sábado, 13 de abril de 2013

O vício mórbido

O vício mórbido

     Tenho um vício mórbido, mórbido porque é de morte mesmo. Vícios fazem mal, este o faz em dobro: sou viciado em pensar na minha morte. Em vez de viver e sorrir, aproveitar o meu tempo fazendo algo bom, eu o perco com sonhos improdutivos com a morte. Se não tenho muito o que fazer, meus olhos focam o nada, e lá estou eu dançando com Ela. Cada vez é uma música diferente, salvo as minhas favoritas: gosto de repeti-las. Quando estou no ônibus, penso "será que vai bater?" e assim sofro o acidente; morri. Atravessando uma rua: "e se algum carro vier na contramão?"; morri. Em um assalto: "será que o cara vai atirar em mim?"; assim morro também. Quando viajei de avião, uma vez no céu,  temi a iminente queda; iminente na minha imaginação, pois não caímos. Não queria dizer isso, mas acho que senti uma ponta de desapontamento.
     Bem, mas que fique claro que não imagino isso pela tragédia somente, não não. Na verdade, tenho um sonho maior: morrer em prol do próximo. Juro que é verdade. Penso que poderia salvar uma criança de um atropelamento, ou uma mulher dum assalto, ou protegendo alguém com meus braços. Tantas maneiras, um só fechamento: eu morto, a pessoa grata com a ação daquele desconhecido; virei herói. Alguém aí poderia dizer que é egoísmo meu, mas terei de discordar. Já que todo mundo um dia morre, por que não posso ao menos escolher de que forma morrerei?
     Confesso que tenho um grande medo: o de ter uma morte inútil; uma morte sem sal. Por exemplo, ser atropelado por não esperar o sinal fechar, ou reagir a um assalto cujo alvo sou eu apenas. Mas o que mais temo é o desejo de muitos: morrer dormindo. Mas que tragédia! Morrer sem prelúdio, sem emoção, simplesmente parar de funcionar. Não quero isso para mim!
     Agora, não sou tão fã de mortes lentas, com muitas dores, mas há modalidades no mínimo interessantes. Quer exemplos? Bem, ficar internado, no "morre-não-morre" (mas que resultará de fato n'Ela!). As pessoas te visitando, o som dos aparelhos, a comoção, a expectativa... Por falar em expectativa, eu tenho gastrite, disseram-me que se eu não me cuidar...
     Minha psicóloga me chama de pessimista. De novo, discordo! A morte é a coroação da vida, então valorizando a minha morte, faço valer toda a minha existência! É isso! A maluca não enxerga. Já está meio velha, aposto que morrerá dormindo, coitada. Nem ela, nem minha família, nem meus amigos gostam de conversar comigo sobre morte; "você ainda é jovem, cara!" eles dizem, ao que respondo "e uma bala perdida? E um incêndio, ou afogamento?". Depois, ninguém mais fala nada. Sou obrigado a escrever apenas. Escrevo no papel, que é uma árvore morta!
     Falei sobre afogamento, lembrei-me do mar. Quando vou à praia, costumo ficar na beirada, pois não sei nadar. Fico lá durante alguns minutos iniciais, e logo estou eu flertando com a morte. A praia tem salva-vidas; eu não ficaria esquecido.
     Eu não penso só na minha morte: também penso em mim morto. O sepultamento seria um barato: a chuva, o céu nublado, os familiares (nem todos gostam assim de mim, mas iriam pela formalidade), os amigos próximos... Pedi ao meu irmão que colocasse determinada música, para dar aquele tom épico ao meu funeral. E é claro, gostaria de assistir a este, ver quem chora chorando e quem chora fingindo. Ver o remorso de uns, a compaixão de outros e o agradecimento estampado nos rostos dos mais íntimos... Hmmm... Melhor nem pensar!
     O mais interessante é que há quem nem imagine que me sinto assim, atraído por Ela. Por trás do "bom dia" e do sorriso, há um "pode ser meu último...!". Não sou epicurista, mas tento aproveitar o meu presente do meu jeito: tiro o carpe diem, coloco o laudate mortem - esse é o mote da minha filosofia; pois só podemos louvar a morte em vida.
     Enquanto desenvolvia a minha filosofia - laudate mortem! - fui acometido por algo mais mortal que a própria morte: o amor. Amei uma menina, desejei-a mais que a morte; até que ela se mostrou uma traidora, apunhalando o meu coração, mas conservando-me vivo, para sofrer mais. E eis que ainda sofro, e esse sofrimento rouba-me tempo de vida. Mais uma vez a minha amiga me resgata: "quero ver a cara dela quando eu morrer, em breve!".
     Gosto de sentir minha respiração; vai e volta. Olho os pássaros, eles não sabem do destino deles, acho isso muito triste. Por isso, meus amigos, não se enganem, eu amo a vida. Amo a minha vida, pois só morre quem ainda vive. Ponto.
     Laudate mortem!

13/04/2013. Nicolas Peixoto.


Um comentário:

  1. Sem compreensão para alguns...sem entendimento de outros tantos...mas tão verdadeiro!

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