segunda-feira, 27 de maio de 2013

Ideia em ação

Ideia em ação

(um esboço filosófico)


     Dentro deste mundo há diversos outros mundos. E ainda, dentro deles, infinitos mundinhos colossais. Eu sou um mundinho colossal. 1,83m, 70kg, Não sou medido por isso. Aliás, nem medido sou. Sou infinito, um infinito sem limites, gradativo, esperando o despertar.
     Cada pensamento não é só pensamento. É vida, é pulso, o rio em ação. É a prova de que o corpo é um mediador - eu não sou corpo, ele me serve e devo cuidar dele. Mas eu sou pensamento, a centelha infinita de pensamentos improváveis que nem minha consciência ainda sabe da existência. Porém, sabe que é capaz. A ideia é perfeita, mas a nossa ideia, diferentemente da de Deus, não cria. Ela imagina, exerce; coloca-nos em contato com proposições e, finalmente, com a ação prática. 
     Eu quero ser uma ideia em ação.

Postado em 27/05/2013. Nicolas Peixoto.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

O Homem e a Sombra

O Homem e a Sombra

     Eu costumava andar na sombra. Na verdade, ela que costumava andar comigo. No início, eu tinha medo.  Depois, percebi que ela não era tão ameaçadora. Virei amigo da sombra. Ela me envolvia. Enquanto eu olhava para as luzes, sem alcançar nenhuma delas, a sombra me afagava. E em seus carinhos, acabei me apaixonando por aquela penumbra. Quer dizer, ela não era luz, mas e daí? Nenhuma luz jamais me envolveu, e aquela sombra ali, cuidando de mim, tratando dos meus anseios. E ainda dizia que eu também era bom para ela. Era um amor recíproco. Passei dias, noites, eras mentais sendo escondido, tragado por aquela sombra envolvente que dizia me amar. Um dia, percebi uma claridade súbita. Resolvi abrir os olhos: estava nu, vulnerável. Abandonado. O sol queimava minhas costas, minha face. A sombra havia me deixado. Ela, que outrora agarrava-se em mim, que me ensinou a amá-la, foi-se sem aviso algum. Fui deixado.

Postado em 20/05/2013. Nicolas Peixoto.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Carlos

Carlos

     Essa é uma história sobre Carlos. Carlos da Silva Barbosa, funcionário do setor financeiro no Edifício Fluminense, no centro da cidade do Rio. Como não há nada de excepcional em sua vida linear, não tenho outro caminho senão ater-me a ela.
     Carlos tem trinta e oito anos, e há doze trabalha no mesmo endereço. Acorda às cinco e meia da manhã, toma o seu banho (sem o qual não desperta), prepara seu café amargo e deixa sua casa com a esperança de que o novo dia lhe traga alguma surpresa. Raramente lhe traz.
     "Bom dia, seu Osvaldo!", vai Carlos em direção ao elevador. 33º andar. Abre-e-fecha de porta, muitos "bons dias". Sua mesa está impecavelmente organizada, como de costume. Entre o processo mecânico que compreende sua função e as piadinhas dos "colegas de trabalho", há um espaço reprimido para uma angústia crescente. É verdade que ela começou inofensiva, mas agora ganhou alguma significância. Como uma mancha de café num documento oficial, ela vai turvando suas letras, seu papel, sua assinatura. Esperar até as dezoito horas para poder ir para casa parece um tormento. E tem o trânsito. Naquele dia, após um longo tempo esperando o sinal abrir, Carlos decidiu que precisava mover-se. Mas como?
     O trabalho paga suas contas, o trabalho o levou até ali: um homem solteiro, sem filhos, casa grande e confortável, carro novo na garagem. Tinha medo dos frutos de uma iminente atitude rebelde. Mas pensou que não tinha mais volta: já havia vislumbrado um futuro idealizado através do espelho da imaginação (ou seria do desespero?).
     A solução estava clara: venderia a casa (que no fundo fazia-o sentir-se ainda mais solitário) e venderia o carro também (nem é tão necessário, e ainda polui o meio-ambiente). Venderia, venderia; vender, vender. Tudo resolvido. Moraria (sempre no futuro do pretérito) num bairro distante, numa casa pequena. Lá poderia trabalhar como cuidador de cães, sua verdadeira paixão. Planos... muitos deles não saem do papel.
     Faz dois meses desde que Carlos teve aquela iluminação ascensional. Ganhou uma promoção. Aparentemente, o dinheiro consegue sarar angústias. Mas não consegue fazê-lo a longo prazo, e no segundo mês Carlos estava ainda mais infeliz com sua inércia.
     O despertador toca; são cinco e meia da madrugada. Carlos o desliga, e fica deitado de olhos abertos. Tenta levantar-se, mas sente dor nos pulmões. Deita-se novamente. Seu médico já havia proibido o cigarro. Lembra-se dos cachorros e dá um leve sorriso. Desliga o celular, ajeita-se na cama e volta a dormir.

16/05/2013. Nicolas Peixoto.