quinta-feira, 16 de maio de 2013

Carlos

Carlos

     Essa é uma história sobre Carlos. Carlos da Silva Barbosa, funcionário do setor financeiro no Edifício Fluminense, no centro da cidade do Rio. Como não há nada de excepcional em sua vida linear, não tenho outro caminho senão ater-me a ela.
     Carlos tem trinta e oito anos, e há doze trabalha no mesmo endereço. Acorda às cinco e meia da manhã, toma o seu banho (sem o qual não desperta), prepara seu café amargo e deixa sua casa com a esperança de que o novo dia lhe traga alguma surpresa. Raramente lhe traz.
     "Bom dia, seu Osvaldo!", vai Carlos em direção ao elevador. 33º andar. Abre-e-fecha de porta, muitos "bons dias". Sua mesa está impecavelmente organizada, como de costume. Entre o processo mecânico que compreende sua função e as piadinhas dos "colegas de trabalho", há um espaço reprimido para uma angústia crescente. É verdade que ela começou inofensiva, mas agora ganhou alguma significância. Como uma mancha de café num documento oficial, ela vai turvando suas letras, seu papel, sua assinatura. Esperar até as dezoito horas para poder ir para casa parece um tormento. E tem o trânsito. Naquele dia, após um longo tempo esperando o sinal abrir, Carlos decidiu que precisava mover-se. Mas como?
     O trabalho paga suas contas, o trabalho o levou até ali: um homem solteiro, sem filhos, casa grande e confortável, carro novo na garagem. Tinha medo dos frutos de uma iminente atitude rebelde. Mas pensou que não tinha mais volta: já havia vislumbrado um futuro idealizado através do espelho da imaginação (ou seria do desespero?).
     A solução estava clara: venderia a casa (que no fundo fazia-o sentir-se ainda mais solitário) e venderia o carro também (nem é tão necessário, e ainda polui o meio-ambiente). Venderia, venderia; vender, vender. Tudo resolvido. Moraria (sempre no futuro do pretérito) num bairro distante, numa casa pequena. Lá poderia trabalhar como cuidador de cães, sua verdadeira paixão. Planos... muitos deles não saem do papel.
     Faz dois meses desde que Carlos teve aquela iluminação ascensional. Ganhou uma promoção. Aparentemente, o dinheiro consegue sarar angústias. Mas não consegue fazê-lo a longo prazo, e no segundo mês Carlos estava ainda mais infeliz com sua inércia.
     O despertador toca; são cinco e meia da madrugada. Carlos o desliga, e fica deitado de olhos abertos. Tenta levantar-se, mas sente dor nos pulmões. Deita-se novamente. Seu médico já havia proibido o cigarro. Lembra-se dos cachorros e dá um leve sorriso. Desliga o celular, ajeita-se na cama e volta a dormir.

16/05/2013. Nicolas Peixoto.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. E eu pensei: "Poxa, ele não podia deixar o Carlos cuidar dos cães, não?"

    E a minha mente me respondeu: "E a vida é assim? Isso de arriscar estabilidade em prol da felicidade acontece muito nos filmes, mas na vida é a dor, é o medo que prevalece."

    E acordamos todo os dias, nos arrumamos para a rotina, olhamos o teto, o ventilador rodando. Lembramos que temos que levantar, tomamos um café e seguimos a vida infeliz. É a ordem da vida. Até que a alteremos. Ou não. E acho que Carlos é exatamente esse "ou não" tão comum.

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