sábado, 10 de maio de 2014

Uns versos

Dualidade cartesiana

A história me entrega
o que meu olhar me nega.
Meus sentidos não
são confiáveis: 1637.
Confundi mel com fel,
amor com espinho.
Como pode ainda
haver tanta dúvida, meu Deus?
Sou dois, e um vale por meio
um eu que é sub-eu
que não pensa
que só ouve, cheira, sente gosto, vê, toca
que é guiado pelo supra-senso razão
e é assim que deve ser...
Mas e a história?
Não me contradiz?
Hoje eu a reescreverei.



Arquivo morto

Há dias me vejo sem nenhuma mobilidade
encostado na parede
Se me movo é porque alguém me empurra
sou movido por vontades alheias
nem sempre me satisfaço com meu lar atual
Há muito espaço em mim
sou preenchido diariamente com lembranças,
documentos oficiais, memorandos
folhas em branco aguardando tinta.
Sou testemunha de olhares
crimes amores.
Tornei-me um arquivo:
mudo, frio, de ferro.



A santa sonsa

Às sete da noite, alvinha:
- Paz do Senhor, mocinha!
Senta-se no banco frontal
(Agrada-lhe não apenas o frontal, dizem)
É aleluia!
Canta, chora, reza
reza muito, ajoelhada
gosta de ficar ajoelhada
(é assim que alcança o gozo-místico?)
Fica muito emocionada, essa irmã
Mas que santidade!
Se casará virgem! (há erro em
[algum lugar desse verso...


Pântano da Dutra

Durante três anos da minha vida
passei diariamente por um pequeno pântano
na rodovia Presidente Dutra.
Era sujo, mas abrigava alguns animais
ficava bonito ao fim da tarde.
Era meu pântano, minha água turva
e semana passada não pude vê-lo
paredes de ferro onde se lia
"em breve: Shopping Dutra" impedem-lhe a visão.


Interlúdio

É costume meu dizer
que não gosto de surpresas.
Eis que, ao espelho, vejo que isso é mentira.
Finjo, tento esconder-me do eventual,
do golpe-oculto;
vontade de ser Deus.

Orgulhoso, gostas das surpresas da vida:
de previsível basta a morte
ente com quem terás o fatídico encontro...
Um telefonema,
uma conversa na calçada,
um esboço de sorriso.

Hoje saí e voltei convicto
de que aprendi algo do mistério de viver.




Niilista

Abro os olhos nesta nova manhã
mas, como levantar-me agora?
Primeiramente, confia-se no cosmos
na ordem natural do dia a dia
na ciência, na lei da atração
reação, combustão, exaustão...?
E, como andar novamente
com esses pés cansados
despidos, desprezados...
As luzes se apagam.
Abraçado e sem braços
abençoado por ninguém
ouço canções da infância
desenho elefantes no ar
carrego comigo esse peso do nada
esperando alguma solução para agir
Agir? Com - quem - por quê?



O Aprendiz

A verdade é que
o aprendiz sempre
morre um aprendiz.

Postado em 10/05/2014. Nicolas Peixoto.

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